segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Crítica: A contemplação de Cristo em Diego Velázquez

Cristo contemplado pela Alma Cristã (1625, óleo sobre tela), de Diego Velázquez
"Em verdade vos declaro: se não vos transformardes e vos tornardes como criancinhas, não entrareis no Reino dos Céus."
— São Mateus XVIII, 3
Diego Velázquez (1599-1660) foi um dos maiores pintores da Christianitas Minor, a Cristandade Menor. Um dos gênios do chamado Século de Ouro Espanhol, de uma geração da estirpe de El Greco, Zurbarán e Murillo, considerado um dos mestres da pintura universal. Uma verdadeira preciosidade é sua pintura mostrada acima, para além de todas as características pictóricas do genial artista espanhol.

Velázquez retrata a contemplação de Cristo pela alma cristã - o que intitula seu quadro -, com a alma retratada como uma criança e o Cristo no açoite de sua Santa e Dolorosa Paixão, precedente à Crucificação. Ocorre ali a concretização de duas coisas estreitamente ligadas ditas pelo Cristo próprio: Quem não se tornar como criança, não entrará no Reino dos Céus (Mt XVIII, 3-4). Logo ao início daquele capítulo evangélico, Nosso Senhor Jesus Cristo nos ensina que devemos nos tornar humildes como crianças, mas mais do que isso: a criança, indica-nos o Pintor, é a representação das bem-aventuranças do Sermão da Montanha (Mt V), concretizada em uma singela personagem.
"Por nada te angusties, nada te perturbe. A Jesus Cristo segue, com grande entrega, e, venha o que vier, nada te espante. [...] Quem a Deus tem, mesmo que passe por momentos difíceis, sendo Deus o seu tesouro, nada lhe falta. Só Deus basta."
— Santa Teresa de Ávila
A criança é bem-aventurada porque tem coração de pobre, é humilde e dela será o Reino dos Céus; porque chora e na Paixão e na Cruz se consola; porque é mansa e, a possuir o Cristo - o Manso -, possui a terra: possui tudo!; porque é misericordiosa e compassiva pelo Justo açoitado, e pela injustiça vista tem fome e sede de justiça, e é saciada pela misericórdia divina; porque é pura, inocente e vê a face de Deus; porque é pacífica e obtém a paz de Cristo no Próprio, ao conseguir sobre si mesma o jugo d'Ele - Pax Christi in Regno Christi, a paz de Cristo no Reino de Cristo -, e pôde, depois do Senhor, ser chamada filha de Deus.

Cristo Crucificado (c. 1632, óleo sobre tela), de Diego Velázquez

A contemplação cristã, mostra-nos Velázquez, está intrinsecamente ligada à Paixão do Senhor - e também à sua morte de Cruz, como demonstra o Pintor em outras de suas obras, uma delas exibida logo acima. É na Paixão e Morte de Cristo que toda vida espiritual deve estar enraizada, como a própria Igreja nos ensina ao fazer do Tríduo Pascal os dias mais importantes de todo o calendário litúrgico.

A criança de Velázquez é verdadeira imitadora de Santa Maria e de São João, o Evangelista Apóstolo, que com Nosso Senhor permaneceram por toda a Via Crucis. Tal como eles, a criança - e sua alma contemplativa - procura estar com o Filho de Deus naqueles momentos mais duros. Seus olhos inocentes acompanham as dores de Cristo, como acompanharam os puríssimos olhos da Mãe das Dores. Tal como a Virgem Dolorosíssima, a criança bem-aventurada do Espanhol adora de maneira perfeitíssima o Cristo açoitado. 

Compatriota de Velázquez, o jurista e filósofo Miguel Ayuso escreveu, em um de seus artigos para a Revista Verbo, que "... a teologia do Reino de Cristo afirma que o mundo não poderá encontrar uma paz verdadeira, fruto e expoente de sua saúde verdadeira que não seja no reconhecimento pleno e voluntário da soberania de Cristo" (AYUSO, Miguel. A perene tentação liberal. Revista Verbo, Madrid, n. 489-490, 2010). A alma cristã só pode ser contemplativa com o jugo soberano do Cristo sobre seu coração e sua vida.

Noutras palavras, o Papa Pio XI afirmou que "que não há paz de Cristo senão no reino de Cristo, e que não há meio mais eficaz para consolidar a paz que a restauração do reino de Cristo" (PIO XI, Ubi Arcano Dei Consilio, 1922). É através da tomada de jugo de Nosso Senhor sobre nós e do recebimento de sua doutrina que encontramos a mansidão e humildade de seu Sagrado Coração, e n'Ele o repouso para as nossas almas (Mt XI, 28-30). E disto organicamente em escalada até atingir todas as esferas da vida, públicas ou privadas, para que Cristo reine sobre tudo e todos.
"Ó Deus, vós sois o meu Deus, com ardor vos procuro. Minha alma está sedenta de vós, e minha carne por vós anseia como a terra árida e sequiosa, sem água. Quero vos contemplar no santuário, para ver vosso poder e vossa glória. Porque vossa graça me é mais preciosa do que a vida, meus lábios entoarão vossos louvores. Assim vos bendirei em toda a minha vida, com minhas mãos erguidas vosso nome adorarei. Minha alma saciada como de fino manjar, com exultante alegria meus lábios vos louvarão. Quando, no leito, me vem vossa lembrança, passo a noite toda pensando em vós. Porque vós sois o meu apoio, exulto de alegria, à sombra de vossas asas. Minha alma está unida a vós, sustenta-me a vossa destra."
Salmo LXII, 2-9
Para que tenhamos viva vida espiritual e plena contemplação, devemos nos tornar como crianças: dóceis à Graça e ao Paráclito a operar em nossas almas para que, no exercício das virtudes, possamos acrescer à vida da alma na vida de Cristo Crucificado. A Cruz é o centro e a vitória da Vida. De maneira muitíssimo sábia e feliz, São Bruno de Colônia disse e seus monges afixaram como lema de sua Ordem dos Cartuxos: stat Crux dum volvitur orbis! - a Cruz permanece enquanto gira o orbe! Nós Vos adoramos, Senhor, e Vos bendizemos, porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo!