“Lumen Christi gloriose resurgentis dissipet tenebras cordis et mentis.”
“Que a luz de Cristo ressuscitado gloriosamente nos dissipe as trevas do coração e da mente.”, são com estas belas palavras que o Círio Pascal é aceso durante Vigília Pascal, na Santa Noite de Páscoa, segundo o Rito Romano Tradicional. Palavras belíssimas e de imensurável profundidade, especialmente no estado em que o mundo se encontra.
Há pouco mais de uma semana, ao fim da tarde do dia 15 deste mês de Abril, a Catedral de Notre-Dame de Paris, construída entre os séculos XII e XIV, pegou fogo. Depois da queima da Igreja de Saint-Sulpice, foi a vez de Notre-Dame: a rígida construção que atravessou os séculos, joia preciosa da devota Cristandade medieval, ali, naquele momento, em chamas, arruinando parte de uma cuidadosa obra que teve início com a plantação de carvalhos num terreno próximo; iniciada por homens que não chegaram nem perto de ver sua conclusão. De um incêndio que abalou a já frágil Cristandade moderna, alguns significados podem ser tirados.
A queima de Notre-Dame é um claro sinal de que a França, parideira do liberalismo, e o mundo moderno não são dignos de sua grandeza. A França, num processo de autodestruição iniciado pelo rei Filipe IV ainda no começo do século XIV, passou pelos iluministas do século XVIII e lançou a desgraçada Revolução Francesa no mundo ao final do mesmo século, assassinando milhares e declarando guerra aos católicos (Vendeia) com suas ideias liberais e maçônicas; perseguiu, caçou e tentou subjugar os direitos da Igreja mais de uma vez, finalmente assinalou a perda de sua alma católica com a queima de Notre-Dame.
A França deixou de ser Gália com o batismo de Clóvis, Rei dos Francos, em 508, e passou a lutar para continuar França com a Revolução Francesa, em 1789. Perdeu a luta. Perdeu a guerra. A França foi morta pelos próprios franceses, que renegam o que é ser verdadeiramente francês.
Construída pelos homens do Medievo, que devotos à Mãe de Deus dedicaram sua vida àquela obra, a Notre-Dame de Paris mostrou-se imerecida ao homem moderno, completo antônimo do homem medieval: ateu, materialista, fraco, desnorteado, covarde e niilista. Homem moderno este que chorou pela perda do “museu” que queimava, e não pelo pulsante coração espiritual da outrora França Católica.
E na queima de Notre-Dame, caiu o teto sobre o altar-mesa. O altar versus populum, versus hominem, tornou-se parte dos escombros. Claro sinal da falha da liturgia moderna: antropológica e antropocêntrica. Da liturgia que tenta agradar o homem (e mesmo nisso falha) e transformar o Sacro Sacrifício do Cordeiro em mera ceia de convenção social. Da liturgia que põe o homem como prioridade, e não Deus. Claro sinal do descontentamento divino com o que tornou-se, na maioria das vezes, uma espécie de antropoteísmo. Ao contrário deste, resistiu o altar versus Deum, o altar do serviço divino que faz o Céu descer, e não a Terra subir.
Simboliza também a grande apostasia dos nossos tempos, onde aqueles que deveriam ser leões na defesa da Fé são na verdade hienas a atacá-la. Onde os ataques à Igreja surgem não somente por fora, mas também por dentro, realizados por promotores do caos, com alguns autênticos representantes do non serviam luciferino.
“Esta revolta é de raiz espiritual. É a revolta de Satanás contra o dom da graça. Fundamentalmente, eu acredito que o homem ocidental se recusa a ser salvo pela misericórdia de Deus. Ele recusa a salvação, procurando construí-la por si mesmo.
A crise da Igreja é acima de tudo uma crise da fé. Alguns querem que a Igreja seja uma sociedade humana e horizontal; eles querem que ela fale a linguagem da mídia. Eles querem torná-la popular.
Quando a Igreja é sobrecarregada com estruturas humanas, é obstruída a luz de Deus que brilha n'Ela e através d'Ela.”
— Cardeal Robert Sarah
Mas apesar de todos os efeitos e significados decorrentes do incêndio, Notre-Dame queimou tal como o Círio Pascal: queimou para desobstruir a luz de Cristo; queimou para reacender a chama do católico e lembrá-lo de seus irmãos medievais que construíram tamanho monumento em homenagem à Mãe de Deus.
Notre-Dame queimou, mas manteve intacta sua rosácea e, mais importante, o altar tradicional da Mãe Piedosa aos prantos com seu Santo Filho morto. A Mãe que chorou pelo Filho na Cruz e chorou pela Igreja em La Salette. E a Santa Cruz manteve-se de pé, inabalavelmente firme entre as ruínas da modernidade, numa tragédia que precisou acontecer para desobstruir a luz de Deus e fazer brilhar a Cruz.
A Igreja passa a sua noite escura, assim como Nosso Senhor passou no Getsêmani. Está em sua Via Crucis, como Ele também esteve. Que Notre-Dame seja como o Templo destruído e reedificado em três dias. Que a Cristandade seja reedificada plenamente na “Verdade Revelada que a Igreja Católica recebeu e deve ser transmitida, propagada e pregada” (cf. Card. Sarah ao Catholic Herald).
Que possamos clamar a Deus e lutar por governantes virtuosos e católicos, que sejam tementes e fiéis a Deus. Governantes que afastem de nós o orgulho, o egoísmo e o respeito humano; que afastem de nós as pestes do liberalismo, do relativismo, da maçonaria, do marxismo e do laicismo, e nos aproximem da Cruz Coroada.
“Ó Deus da terra e do altar,
Inclina-te e ouve o nosso clamor.
Os nossos governantes vacilam,
O nosso povo à deriva, morre.
As paredes de dinheiro sepultam-nos
As espadas do escárnio dividem,
Não afastais de nós o Vosso relâmpago,
Mas levai embora o nosso orgulho.”
— G. K. Chesterton, hino O God of Earth and Altar
Entronizemos Nosso Senhor nas nossas vidas, famílias, sociedades e Estados sem medo e dignamente como o Rei que é, para “que a luz de Cristo ressuscitado gloriosamente nos dissipe as trevas do coração e da mente” e, como São Paulo, gloriemo-nos na Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo que, como mostrado em Notre-Dame, é luz nas trevas; é a candeia que não é posta debaixo do alqueire. Somente ao estabelecer o Reinado de Cristo e restaurar todas as coisas n'Ele teremos a verdadeira paz.
“É, portanto, um fato que não pode ser questionado que a verdadeira paz de Cristo somente pode existir no Reino de Cristo – a paz de Cristo no Reino de Cristo.”
— PIO XI, Ubi Arcano Dei Consilio, 1922
Ao dia 23 de Abril de 303, o Tribuno Jorge tornar-se-ia São Jorge ao ser martirizado, e seria exemplo para tantos outros santos durante a história, influenciando, como santo militar, até mesmo o Rei São Luís IX da França. Contrários à modernidade e seus maus exemplos, possamos ter a coragem que ele teve de até mesmo suportar as torturas e a morte com o nome de Cristo na língua, sem nunca renegá-l'O, sem nunca deixar de anunciá-l'O, como ensinou com seu exemplo aos dispostos homens do Medievo e a todos os demais católicos durante a história; e também como São Jorge, tenhamos sempre esperança na Cruz de Cristo nossa Páscoa.
A Cruz permanece intacta enquanto o mundo gira... e queima.