quarta-feira, 24 de abril de 2019

Artigo: A modernidade, a França e a Páscoa


Lumen Christi gloriose resurgentis dissipet tenebras cordis et mentis.

“Que a luz de Cristo ressuscitado gloriosamente nos dissipe as trevas do coração e da mente.”, são com estas belas palavras que o Círio Pascal é aceso durante Vigília Pascal, na Santa Noite de Páscoa, segundo o Rito Romano Tradicional. Palavras belíssimas e de imensurável profundidade, especialmente no estado em que o mundo se encontra.

Há pouco mais de uma semana, ao fim da tarde do dia 15 deste mês de Abril, a Catedral de Notre-Dame de Paris, construída entre os séculos XII e XIV, pegou fogo. Depois da queima da Igreja de Saint-Sulpice, foi a vez de Notre-Dame: a rígida construção que atravessou os séculos, joia preciosa da devota Cristandade medieval, ali, naquele momento, em chamas, arruinando parte de uma cuidadosa obra que teve início com a plantação de carvalhos num terreno próximo; iniciada por homens que não chegaram nem perto de ver sua conclusão. De um incêndio que abalou a já frágil Cristandade moderna, alguns significados podem ser tirados.

A queima de Notre-Dame é um claro sinal de que a França, parideira do liberalismo, e o mundo moderno não são dignos de sua grandeza. A França, num processo de autodestruição iniciado pelo rei Filipe IV ainda no começo do século XIV, passou pelos iluministas do século XVIII e lançou a desgraçada Revolução Francesa no mundo ao final do mesmo século, assassinando milhares e declarando guerra aos católicos (Vendeia) com suas ideias liberais e maçônicas; perseguiu, caçou e tentou subjugar os direitos da Igreja mais de uma vez, finalmente assinalou a perda de sua alma católica com a queima de Notre-Dame.

A França deixou de ser Gália com o batismo de Clóvis, Rei dos Francos, em 508, e passou a lutar para continuar França com a Revolução Francesa, em 1789. Perdeu a luta. Perdeu a guerra. A França foi morta pelos próprios franceses, que renegam o que é ser verdadeiramente francês.

Construída pelos homens do Medievo, que devotos à Mãe de Deus dedicaram sua vida àquela obra, a Notre-Dame de Paris mostrou-se imerecida ao homem moderno, completo antônimo do homem medieval: ateu, materialista, fraco, desnorteado, covarde e niilista. Homem moderno este que chorou pela perda do “museu” que queimava, e não pelo pulsante coração espiritual da outrora França Católica.

E na queima de Notre-Dame, caiu o teto sobre o altar-mesa. O altar versus populumversus hominem, tornou-se parte dos escombros. Claro sinal da falha da liturgia moderna: antropológica e antropocêntrica. Da liturgia que tenta agradar o homem (e mesmo nisso falha) e transformar o Sacro Sacrifício do Cordeiro em mera ceia de convenção social. Da liturgia que põe o homem como prioridade, e não Deus. Claro sinal do descontentamento divino com o que tornou-se, na maioria das vezes, uma espécie de antropoteísmo. Ao contrário deste, resistiu o altar versus Deum, o altar do serviço divino que faz o Céu descer, e não a Terra subir.

Simboliza também a grande apostasia dos nossos tempos, onde aqueles que deveriam ser leões na defesa da Fé são na verdade hienas a atacá-la. Onde os ataques à Igreja surgem não somente por fora, mas também por dentro, realizados por promotores do caos, com alguns autênticos representantes do non serviam luciferino.

“Esta revolta é de raiz espiritual. É a revolta de Satanás contra o dom da graça. Fundamentalmente, eu acredito que o homem ocidental se recusa a ser salvo pela misericórdia de Deus. Ele recusa a salvação, procurando construí-la por si mesmo. 
A crise da Igreja é acima de tudo uma crise da fé. Alguns querem que a Igreja seja uma sociedade humana e horizontal; eles querem que ela fale a linguagem da mídia. Eles querem torná-la popular. 
Quando a Igreja é sobrecarregada com estruturas humanas, é obstruída a luz de Deus que brilha n'Ela e através d'Ela.”
— Cardeal Robert Sarah

Mas apesar de todos os efeitos e significados decorrentes do incêndio, Notre-Dame queimou tal como o Círio Pascal: queimou para desobstruir a luz de Cristo; queimou para reacender a chama do católico e lembrá-lo de seus irmãos medievais que construíram tamanho monumento em homenagem à Mãe de Deus.

Notre-Dame queimou, mas manteve intacta sua rosácea e, mais importante, o altar tradicional da Mãe Piedosa aos prantos com seu Santo Filho morto. A Mãe que chorou pelo Filho na Cruz e chorou pela Igreja em La Salette. E a Santa Cruz manteve-se de pé, inabalavelmente firme entre as ruínas da modernidade, numa tragédia que precisou acontecer para desobstruir a luz de Deus e fazer brilhar a Cruz.

A Igreja passa a sua noite escura, assim como Nosso Senhor passou no Getsêmani. Está em sua Via Crucis, como Ele também esteve. Que Notre-Dame seja como o Templo destruído e reedificado em três dias. Que a Cristandade seja reedificada plenamente na “Verdade Revelada que a Igreja Católica recebeu e deve ser transmitida, propagada e pregada” (cf. Card. Sarah ao Catholic Herald).

Que possamos clamar a Deus e lutar por governantes virtuosos e católicos, que sejam tementes e fiéis a Deus. Governantes que afastem de nós o orgulho, o egoísmo e o respeito humano; que afastem de nós as pestes do liberalismo, do relativismo, da maçonaria, do marxismo e do laicismo, e nos aproximem da Cruz Coroada.

Ó Deus da terra e do altar,
Inclina-te e ouve o nosso clamor.
Os nossos governantes vacilam,
O nosso povo à deriva, morre. 
As paredes de dinheiro sepultam-nos
As espadas do escárnio dividem,
Não afastais de nós o Vosso relâmpago,
Mas levai embora o nosso orgulho.
— G. K. Chesterton, hino O God of Earth and Altar

Entronizemos Nosso Senhor nas nossas vidas, famílias, sociedades e Estados sem medo e dignamente como o Rei que é, para “que a luz de Cristo ressuscitado gloriosamente nos dissipe as trevas do coração e da mente” e, como São Paulo, gloriemo-nos na Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo que, como mostrado em Notre-Dame, é luz nas trevas; é a candeia que não é posta debaixo do alqueire. Somente ao estabelecer o Reinado de Cristo e restaurar todas as coisas n'Ele teremos a verdadeira paz.

“É, portanto, um fato que não pode ser questionado que a verdadeira paz de Cristo somente pode existir no Reino de Cristo  a paz de Cristo no Reino de Cristo.”
— PIO XI, Ubi Arcano Dei Consilio, 1922

Ao dia 23 de Abril de 303, o Tribuno Jorge tornar-se-ia São Jorge ao ser martirizado, e seria exemplo para tantos outros santos durante a história, influenciando, como santo militar, até mesmo o Rei São Luís IX da França. Contrários à modernidade e seus maus exemplos, possamos ter a coragem que ele teve de até mesmo suportar as torturas e a morte com o nome de Cristo na língua, sem nunca renegá-l'O, sem nunca deixar de anunciá-l'O, como ensinou com seu exemplo aos dispostos homens do Medievo e a todos os demais católicos durante a história; e também como São Jorge, tenhamos sempre esperança na Cruz de Cristo nossa Páscoa.

A Cruz permanece intacta enquanto o mundo gira... e queima.

sábado, 6 de abril de 2019

Artigo: Eis aí tua Mãe

Cristo Crucificado entre a Virgem e São João (c. 1500), autor desconhecido

Consoante com a Sagrada Tradição da Igreja e a piedade católica, a sexta-feira é consagrada à Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, é o dia penitencial por excelência. O domingo, Dies Domini – dia do Senhor –, é consagrado à Ressurreição de Nosso Senhor. Já os dias de sábado são consagrados à Nossa Senhora, pois o Sábado Santo foi o dia que a Virgem Santíssima viveu sem ter Seu Divino Filho vivo. Foi o santo dia do luto, silêncio e solidão da Senhora das Dores. É a memória de Santa Maria in Sabbato.

São Bernardo de Claraval, para além das belíssimas orações e composições que escreveu, repetia incessantemente: de Maria nunquam satis – sobre Maria jamais será dito bastante – e não poderia estar mais correto. A Senhora das Dores é mestra da vida interior e da dor, pois apesar da espada que Lhe transpassou a alma, tinha fé perfeita e inabalável esperança.

Aprendamos com Seu brilhante e santo exemplo para lidarmos com as cruzes e dores, e com a própria morte, como Ela o fez tão bem, confiando tudo a Deus. Tenhamos firme confiança n'Ela para que nos ensine a confiarmos verdadeiramente n'Ele, e conforme escreveu o Santo Padre Pio XII, com intensa piedade e oração, alcancemos a Mãe Divina para que interceda a Deus pelos remédios oportunos (cf. enc. Doctor Mellifluus, 1953).

Ecce Mater tua – eis aí tua Mãe –, foram as palavras do Crucificado para o Apóstolo São João. Ali, naquele tão sublime momento da história salvífica, pelas palavras de Nosso Senhor ao Evangelista a Mãe de Deus também tornou-se Mãe de todo o gênero humano.

O Doutor Melífluo também disse que Deus quis que nada recebêssemos que não passe pelas mãos de Maria. Peçamos sem medo ou hesitação a sua intercessão benigna e poderosa, pois é nossa Mãe.

Chama-se estrela do mar, e o nome é bem apropriado à Virgem Mãe. Ela na verdade é comparada muito justamente a uma estrela; porque assim como a estrela emite os seus raios, sem se corromper, assim também a Virgem dá à luz o seu Filho sem lesar a sua integridade. Os raios não diminuem a claridade à estrela, nem o Filho à Virgem a sua integridade. Ela é, portanto, aquela nobre estrela que nasceu de Jacó, cujos raios iluminam todo o universo, cujo esplendor brilha no céu e penetra no inferno... É ela, digo, a estrela preclara e exímia, erguida necessariamente sobre este grande e largo mar, que ilumina com os seus méritos e ilustra com seus exemplos. Oh! tu, quem quer que sejas, que te vês mais flutuar à mercê das ondas neste mundo em tempestade do que andar sobre a terra; não tires os olhos do fulgor dessa estrela, se não queres ser submergido pelas tempestades. 
Se se levantarem os ventos das tentações, se topares nos escolhos das tribulações, olha para a estrela, invoca Maria. Se fores arremessado pelas ondas da soberba, da ambição, da murmuração e da inveja: olha para a estrela, invoca Maria. Se a ira, a avareza ou as atrações da carne sacudirem a barquinha da alma: olha para Maria. Se, perturbado pela enormidade do pecado, cheio de confusão pela fealdade da consciência, cheio de medo pelo horror do juízo, começares a ser devorado pelos abismos da tristeza e do desespero: pensa em Maria. Nos perigos, nas aflições, nas incertezas, pensa em Maria, invoca Maria. Que ela não se afaste da tua boca nem do teu coração; e para obter o auxílio da sua oração, nunca deixes o exemplo da sua vida. Se a segues, não te podes perder; se a invocas, não podes desesperar; se pensas nela, não te podes enganar. Se ela te ampara, não cais; se te protege, não tens que temer; se te guia, não te cansas; se te é propícia, chegas ao fim...
São Bernardo de Claraval, Hom. 11 super Missus est

Aprendamos com a Mãe Santíssima, exemplo máximo de fé, esperança e caridade, para que, como Ela, sejamos sempre confiantes na Ressurreição através da morte de Cruz. Da mesma forma que a Beatíssima Virgem esteve com Nosso Senhor até o fim, também estará conosco conforme Ele nos legou.

Ela, a Santíssima Virgem, é a Auxiliadora, Consoladora, Advogada, Refúgio e Saúde; é a Corredentora e Medianeira de Todas as Graças que sempre está para nós quando A buscamos. É Aquela que esteve com o Filho do Homem do começo ao fim. Saudemo-la firmemente e sem receio com o Anjo São Gabriel: Ave, cheia de graça!