quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Artigo: O trono da Cruz que tudo comprou


“Irmãos: Damos graças a Deus Pai, que nos fez dignos de participar da herança dos santos na luz; que nos arrancou do poder das trevas, e nos transferiu para o Reino do Filho do seu amor, em Quem temos, pelo seu sangue, a redenção e o perdão dos pecados. Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação, porque é Nele que tudo foi criado nos Céus e na Terra, – o mundo visível e o invisível, os Tronos e as Dominações, os Principados e as Potestades. Tudo foi criado por Ele e para Ele. Ele é anterior a tudo, e tudo Nele subsiste. É Ele ainda que é a cabeça do corpo da Igreja; o princípio, e o primogênito de entre os mortos, a fim de em tudo ter a primazia, porque aprouve a Deus fazer Nele residir toda a plenitude; e por Ele, que restabeleceu a paz no sangue de sua Cruz, reconciliar tudo o que existe, seja na Terra ou nos Céus, em Jesus Cristo, Nosso Senhor.”
— São Paulo aos Colossenses I, 12-20
Nosso Senhor Jesus Cristo sempre fora aclamado como Rei pela Cristandade, porque assim fora constituído pelo Pai. É o Rei sob cuja a majestade devem ser submetidos todos indivíduos, famílias, cidades, povos e nações. É o Rei único e supremo no céu e sobre a terra, como solenemente proclamou e demonstrou o Papa Pio XI durante o Advento de 1925. A instituição da Festa de Cristo Rei pelo mesmo Papa é a proclamação solene da realeza universal de Cristo, de seu Reinado Social contra a dita outra via da “sã” laicidade e do laicismo, erros largamente difundidos em nosso tempo, mesmo por aqueles que se dizem católicos.
“Com a celebração ânua desta festa hão de relembrar-se, outrossim, os Estados que aos governos e à magistratura incumbe a obrigação, bem assim como aos particulares, de prestar culto público a Cristo e sujeitar-se às suas leis. Lembrar-se-ão também os chefes da sociedade civil do juízo final, quando Cristo acusará aos que o expulsaram da vida pública, e a quantos, com desdém, o desprezaram ou desconheceram; de tamanha afronta há de tomar o Supremo Juiz a mais terrível vingança; seu poder real, com efeito, exige que o Estado se reja totalmente pelos mandamentos de Deus e os princípios cristãos, quer se trate de fazer leis, ou de administrar a justiça, quer da educação intelectual e moral da juventude, que deve respeitar a sã doutrina e a pureza dos costumes.”
 — PIO XI, Quas Primas, 1925
A tal “sã” laicidade é o primeiro passo à cidade dos homens: a negação da realeza de Cristo sobre os homens: é a vida como se Deus não existisse, um indiferentismo maldito ao Rei que conduz à apostasia massiva, a sociedade à desgraça, porque, indiferentes, esquecem que não há outra via para a Jerusalém Celeste, somente Cristo Rei; enquanto o laicismo é o segundo passo: a pura aversão dos homens apóstatas de uma sociedade já desgraçada ao Rei, é a concretização da cidade dos homens. Ambos os passos são parte do projeto de Satanás, que, com seu infame non serviam, foi o primeiro liberal ao lançar-se contra o Rei dos reis. Passos para o inferno.
“Mas há um grande número de homens que, a exemplo de Lúcifer, — de quem são estas palavras criminosas: Não obedecerei, — entendem pelo nome de liberdade o que não é senão pura e absurda licença. Tais são aqueles que pertencem à escola tão espalhada e tão poderosa desses homens que foram tirar o seu nome à palavra liberdade, querendo ser chamados Liberais.”
— LEÃO XIII, Libertas Praestantissimum, 1888
O reinado de Nosso Senhor é primeiramente espiritual, e com Ele a reinar sobre a alma de cada homem, deve reinar também naquilo que é temporal e social, para que tudo favoreça e seja retamente ordenado à salvação das almas. É nisto que consiste a verdadeira liberdade do homem: viver segundo as leis, natural e divina, e segundo a reta razão. Viver segundo a verdade, que é libertadora da obscura escravidão do pecado, do erro e do poder das trevas.
“Numa sociedade de homens, portanto, a liberdade digna deste nome não consiste em fazer tudo o que nos apraz: isso seria uma confusão extrema no Estado, uma perturbação que conduziria à opressão. A liberdade consiste em que, com o auxílio das leis civis, possamos mais facilmente viver segundo as prescrições da lei eterna. E para aqueles que governam, a liberdade não é o poder de mandarem ao acaso e segundo seu bel-prazer: isso seria uma desordem não menos grave e extremamente perigosa para o Estado; mas a força das leis humanas consiste em que elas sejam olhadas como uma derivação da lei eterna e que não há nenhuma das suas prescrições que não seja contida nela como no princípio de todo direito.”
— LEÃO XIII, Libertas Praestantissimum, 1888
Seguindo estas palavras tão verdadeiras do Papa Leão XIII, o grande estadista católico português António de Oliveira Salazar resumiu de maneira clara, simples e direta como deve se dar a relação entre Estado e Igreja: “A Igreja quer salvar todas as almas e pretende que o Estado não a atrapalhe nessa missão.”. Como já escrevemos anteriormente, no instaurar de todas as coisas em Cristo, o Estado e Igreja devem estar unidos - Estado Católico - sem se confundirem e serem distintos sem separação, com o Estado ordenado e submisso à Igreja e às suas leis, prostrado diante de Cristo Rei. A negação da realeza social de Cristo é a edificação da cidade dos homens, e não se pode querer estar na cidade dos homens e na cidade de Deus ao mesmo tempo. Não podemos servir a dois senhores.
“Quanto à Igreja, que o próprio Deus estabeleceu, excluí-la da vida pública, das leis, da educação da juventude, da sociedade doméstica, é um grande e pernicioso erro. Uma sociedade sem religião não pode ser bem regulada; e, mais talvez do que fora mister, já se vê o que vale em si e em suas conseqüências essa pretensa moral civil.”
— LEÃO XIII, Immortale Dei, 1885
Os judeus reconheceram a Realeza de Nosso Senhor para condená-Lo (cf. Jo XIX, 12) e os pagãos para Dele zombar (cf. Jo XIX, 3). O omisso Pôncio Pilatos ordenou que se escrevesse na Santa Cruz “Jesus Nazareno Rei dos Judeus”, o que é correto, mas algo incompleto: Cristo é Rei não somente dos judeus, mas de todos os povos, uma vez que toda a terra está sob sua autoridade; uma vez que adquiriu para si todo o gênero humano através do derramamento de seu Preciosíssimo Sangue na Santa Cruz.
“Este testemunho universal e solene de honra e de piedade é plenamente devido a Jesus Cristo, precisamente porque Rei e Senhor de todas as coisas. Com efeito, o seu império não se estende somente às nações católicas e àqueles que, validamente batizados, pertencem por direito à Igreja (ainda que erros doutrinais os mantenham afastados dela ou dissensões infringiram os vínculos da caridade), mas abraça também todos aqueles que não têm a fé cristã, porque toda a humanidade está realmente sob o poder de Jesus Cristo. Com efeito, o Filho unigênito de Deus Pai tem em comum com Ele a mesma natureza, o “resplendor de Sua glória e expressão do Seu ser” (Hb I, 3), tem necessariamente tudo em comum com o Pai e, portanto, o pleno poder sobre todas as coisas. Esse é o motivo pelo qual o Filho de Deus, pela boca do Profeta, pôde afirmar: “Fui constituído Rei sobre Sião, seu monte santo. O Senhor me disse: Tu és meu Filho; Eu hoje Te gerei. Pede-me e dar-te-ei as nações em herança e para teu domínio os confins da terra” (Sl II, 6-8). Com essas palavras ele declara ter recebido de Deus o poder, não somente sobre toda a Igreja, prefigurada em Sião, mas também sobre todo o resto da terra, até onde se estendem os seus confins. O fundamento desse poder universal é claramente expresso naquelas palavras: “Tu és meu Filho”. Pelo fato de ser o Filho do Rei de todas as coisas, é também herdeiro de Seu poder universal. Por isso o salmista continua com as palavras: “Dar-te-ei as nações em herança”. Semelhantes a esta são as palavras do Apóstolo Paulo: “Constituiu-O herdeiro de todas as coisas” (Hb I, 2).
Deve-se ter presente, sobretudo o que Jesus Cristo, não por meio dos seus Apóstolos e Profetas, mas com as suas próprias palavras afirmou do seu poder. Ao governador romano que Lhe perguntava: “És, portanto, rei?”, Ele respondeu sem hesitação "Dizes bem: eu sou Rei!" (Jo XVIII, 37). A vastidão do seu poder e a amplidão sem limite de seu Reino são claramente confirmadas pelas palavras dirigidas aos Apóstolos: “Foi me dado todo poder nos céus e na terra” (Mt XXVIII, 18). Se a Cristo foi concedido todo  o poder, disso deriva necessariamente que o seu domínio deve ser soberano, absoluto, não submetido a ninguém, de modo que não pode existir outro nem igual nem semelhante. E como esse poder Lhe foi dado, quer no céu quer na terra, devem estar submetidos a Ele o céu e a terra. Com efeito, Ele exerceu esse seu direito próprio e individual quando mandou aos Apóstolos pregar sua doutrina, reunir, por meio do batismo, todos os homens no único corpo da Igreja, e impor leis, as quais ninguém se pode subtrair sem pôr em perigo a própria salvação eterna.
E não é tudo. Cristo não tem poder de mandar somente por direito de nascimento, sendo o Filho unigênito de Deus, mas também por direito adquirido. Com efeito, Ele nos libertou “do poder das trevas” (Cl I, 13) e “deu a Si mesmo como resgate para todos” (I Tm II, 6). Por isso, para Ele não somente os católicos e quantos receberam o batismo, mas também cada um e todos os homens tornaram-se “um povo que Ele adquiriu” (I Pd II, 9). A esse propósito Santo Agostinho observa justamente: “Quereis saber o que Ele adquiriu: Prestai atenção naquilo que deu e entendereis o que comprou. O sangue de Cristo: eis o preço. E o que pode valer tanto? O quê a não ser o mundo inteiro? Para tudo deu tudo”.”
— LEÃO XIII, Annum Sacrum, 1899
Durante os Santos Mistérios, os homens ajoelham-se todos, indistintamente, perante o Cordeiro que foi imolado no altar de Deus: ecce Agnus Dei! – eis o Cordeiro de Deus!; perante o Deus que se fez Homem a ser crucificado. Ecce Homo! – eis o Homem!

A Festa de Cristo Rei proclama com todas as palavras a antecipação no tempo da realeza eterna exercida por Nosso Senhor na glória celeste. O Rei cujo o Reino não terá fim – cujus Regni non erit finis – e que dominará sobre toda a terra, onde todos devem adorá-Lo e servi-Lo (cf. Sl LXXI, 8). E somos sempre convidados pelas palavras de Nosso Senhor ao labor pela expansão de seu Reino: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura.”, convite sempre reforçado pela Santa Igreja.
“Amados irmãos e filhos nossos: o olhar que lançamos convosco sobre os diversos problemas da vida social contemporânea, desde as primeiras luzes do ensinamento do papa Leão XIII, levou-nos a formular um conjunto de observações que formam um programa. Convidamo-vos a que as pondereis, as mediteis bem e vos animeis a cooperar, todos e cada um de vós, na realização do reino de Cristo sobre a terra: “Reino de verdade e de vida; reino de santidade e de graça; reino de justiça, de amor e de paz”; reino que promete o gozo dos bens celestiais, para que fomos criados e que ansiosamente desejamos.
Trata-se da doutrina da Igreja Católica e Apostólica, mãe e mestra de todas as gentes, cuja luz ilumina e abrasa; cuja voz, ao ensinar cheia de sabedoria celestial, pertence a todos os tempos; cuja virtude oferece sempre remédios eficazes, suscetíveis de trazerem solução para as crescentes necessidades dos homens, para as angústias e aflições desta vida.”
— JOÃO XXIII, Mater et Magistra, 1961
Como no Tempo da Paixão anuncia o Hino Vexilla RegisAvançam os estandartes do Rei, fulge o mistério da Cruz, o criador da carne, pela carne, é suspenso no madeiro. [...] Cumpriu-se o canto de Davi, a profecia fiel que anunciou às nações: Deus fez da cruz o seu trono.”. Deus reinou do madeiro da Santa Cruz ao morrer, por amor, para nos salvar, para adquirir nossa liberdade e nosso domínio soberano. Gloriemo-nos, como São Paulo, na Santa Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Gl VI, 14).

Que “as nações divididas pela ferida do pecado se agreguem sob o seu império santíssimo”, para a realização “do reino de verdade e de vida, de santidade e de graça, de justiça, amor e paz” (Colecta e Prefácio de Cristo Rei, Rito Romano Tradicional). Abracemos sem hesitação o Rei da Cruz como fez a Beatíssima Virgem Dolorosa, e entoemos junto da Igreja o Hino de Vésperas da Festa de Cristo Rei:
Nós vos proclamamos, Senhor, o príncipe que domina os séculos, o Rei das nações e dos povos, o Mestre e Guia das almas e dos corações. 
A turba ímpia clama: não queremos que Cristo reine. Nós te proclamamos o Senhor supremo de todas as coisas. 
Ó Cristo, príncipe da Paz, sujeita os corações rebeldes e reúne-os por teu amor ao santo rebanho que governas. 
Rendam-te, pois, os governantes dos povos a vassalagem a que tens direito; venerem-te os juízes e os magistrados, e a arte e as leis sejam a expressão de tua realeza. 
Gloriem-se as coroas brilhantes dos monarcas de se curvarem diante de ti e reduze à obediência do teu cetro brando a nossa pátria e os nossos lares.

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Artigo: O homem e o mundo, parte II

Benedictus Dominus, Deus meus, qui docet manus meas ad proelium, digitus meos ad bellum; misericordia mea et refugium meum, susceptor meus et liberator meus; protector meus, et in eo speravi, qui subdis populum meum sub me.
— Salmo CXLIII, 1-2
Conforme o adágio de Santo Agostinho tornado em lema jurídico por São Tomás, lex iniusta non est lex - a lei injusta não é lei. Os católicos temos não só o direito, mas verdadeiro dever de desobedecer as leis injustas e qualquer outra coisa que afronte à Lei de Deus, sem temer as consequências mundanas. Se Deus por nós na Cruz morreu, porque não podemos segui-Lo no exemplo por Ele? O mundo nos odeia. A Sabedoria Encarnada nos afirmou com clareza cristalina, para não deixar nenhuma dúvida: “Sereis odiados de todos por causa de meu nome” (cf. Mt X, 22).

O mundo rejeita o Cristo e seus ensinamentos. E devemos reagir não somente às leis injustas, mas também aos propagandismos das iniquidades e àqueles que buscam a liberdade para o erro, para o que é falso, iníquo e imoral.
“Amemos, pois, e muito a nossa pátria terrena que nos deu a vida mortal: mas amemos ainda mais a Igreja à qual somos devedores da vida imortal da alma, porque é justo preferir os bens da alma aos do corpo, e os deveres para com Deus têm um caráter mais sagrado que os deveres para com os homens. [n. 8]
Casos há efetivamente em que o Estado exige uma coisa do súdito e a Igreja requer outra do cristão, e a causa dessa colisão é porque os chefes políticos ou não reconhecem o poder sagrado da Igreja ou a pretendem avassalar. Daqui as perseguições e as admiráveis cenas de fortaleza cristão. Dois poderes insistem dando ordens contrárias. Obedecer a ambos ao mesmo tempo é impossível: “Ninguém pode servir a dois senhores” (Mt VI, 24), agradar a um é descontentar o outro, mas qual deva ser preferido é coisa em que não cabe a menor dúvida. [n. 10]
Seria crime negar obediência a Deus para dá-la aos homens; seria delito infringir as leis de Jesus Cristo para obedecer aos magistrados, ou violar os direitos da Igreja sob pretexto de guardar as leis de ordem civil. “Importa obedecer mais a Deus do que aos homens” (At 5,29). Essa resposta que outrora costumavam dar Pedro e os demais apóstolos aos magistrados, quando lhes ordenavam coisas ilícitas, devemos repeti-la todos os dias muito resolutamente em circunstâncias iguais. Não há melhor cidadão, quer na paz, quer na guerra, do que o cristão que o é deveras; mas por isso mesmo que o é, deve antes estar resolvido a sofrer tudo e a própria morte, do que desertar a causa de Deus e da Igreja. [n. 11]
A lei não é outra coisa que um ditame da reta razão promulgado pela autoridade legítima para o bem comum. [...] Reta razão não se pode chamar aquela que discordar da verdade e razão divina; e, quanto a bem verdadeiro, certamente não o é o que estiver em contradição com o bem supremo e imutável e por conseguinte torcer e desviar as vontades humanas do amor de Deus. [n. 12]
Em presença dessas iniquidades, seja o primeiro dever de cada um entrar em si e aplicar-se com todo o desvelo a conservar a fé profundamente arraigada em sua alma, livrando-se de todos os perigos e nomeadamente mantendo-se armado contra falácias e sofismas. A fim de melhor manter a integridade dessa virtude, [...] se aplique bem ao estudo da doutrina cristã e faça que sua alma se embeba, o mais possível, das verdades da fé acessíveis à razão. [n. 19]
Nesse enorme e geral delírio de opiniões que vai grassando, o cuidado de proteger a verdade e de extirpar o erro dos entendimentos é missão da Igreja e missão de todo o tempo e de todo o empenho, como que à sua tutela foram confiadas a honra de Deus e a salvação dos homens. Mas quando a necessidade é tanta, já não são somente os prelados que hão de velar pela integridade da fé, uma vez que: “cada um tem obrigação de propalar a todos a sua fé, seja para instruir e animar os outros fiéis, seja para reprimir a audácia dos que não o são” (São Tomás de Aquino, Summa Theol. II-II, q.3, a.2, ad 2). Recuar diante do inimigo, ou calar-se, quando de toda a parte se ergue tanto alarido contra a verdade, é de homem covarde ou de quem vacila no fundamento de sua crença. Qualquer dessas coisas é vergonhosa em si; é injuriosa a Deus; é incompatível com a salvação tanto dos indivíduos, como da sociedade e só é vantajosa aos inimigos da fé, porque nada tanto afoita a audácia dos maus, como a pusilanimidade dos bons. [n. 21]
Acresce que os cristãos nasceram para o combate, e quanto mais bravo ele for, mais certa será com o auxílio de Deus a vitória: “Tende confiança, eu venci o mundo” (Jo 16,33). [n. 22]
A primeira aplicação desse dever é professar clara e constantemente a doutrina católica, e propagá-la o mais que se puder. [n. 23]
Desse modo, nos deveres que nos ligam com Deus e com a Igreja, está, em primeiro lugar, o zelo que cada qual deve trabalhar segundo as suas forças em propagar a doutrina cristã e refutar os erros. [n. 25]”
— LEÃO XIII, Sapientiae Christianae, 1890
O grande Papa Leão XIII, que tanto iluminou a Igreja com suas brilhantes encíclicas em seu longo pontificado, assertivamente declarou com venerável firmeza tudo acima citado (o destacado é nosso). Ressaltamos uma vez mais estas belas palavras: “os cristãos nasceram para o combate”. Nas palavras de Gustavo Corção, pelo Sinal da Santa Cruz nós aprendemos a pedir a Deus que nos livre de nossos inimigos e nos armamos para o bom combate (cf. Permanência, N° 30, ano IV, 03/1971). E a vocação do católico é o combate! É para isto que nascemos, portanto devemos nos revestir da armadura de Deus para servi-lO dedicadamente como verdadeiros servos do Senhor, e não do mundo, da carne ou do Diabo (cf. Ef VI, 10-17). Nascidos para o combate, busquemos o combate, não o conforto mundano. O repouso e conforto do cristão está em Deus, e somente n'Ele há de descansar verdadeiramente. O resto é vão, há de ser consumido pela traça e corroído pelos vermes.

Tal como São Jerônimo, façamos dos inimigos de Deus nossos inimigos pessoais e lutemos! Lutemos contra as iniquidades da maldita Civilização Liberal, que espalha em assalto as suas desgraças liberais, socialistas, marcusianas, revolucionárias; que busca transformar (ou já o fez) a morte de bebês em direito e os verdadeiros direitos, natural e divino, em crimes.

Neste fruto que já nasceu podre da desgraçada e liberal Revolução Francesa, o homem é reduzido de sua dignidade, de sua condição humana: buscam seduzi-lo para torná-lo mero animal que sucumbe em todo instante às paixões. O homem é desumanizado como fruto da peste laica, e hoje colhemos os resultados do que em 1906 já nos dizia São Pio X:
"Finalmente, essa tese [do Estado Laico] inflige graves danos à própria sociedade civil, pois esta não pode prosperar nem durar muito tempo quando não se dá nela o seu lugar à religião, regra suprema e soberana senhora quando se trata dos direitos do homem e dos seus deveres”; repetia de outra maneira as palavras de Leão XIII, que chamava tal separação de “grande e pernicioso erro” (cf. LEÃO XIII, Immortale Dei, 1885)."
— PIO X, Vehementer Nos, 1906
Lutemos pelo Estado Católico e a restauração da Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo em nossos corações, famílias, cidades e nações. Somente em Deus e em seu Reino teremos verdadeira liberdade e paz, conforme o lema de Pio XI: Pax Christi in Regno Christi - A paz de Cristo no Reino de Cristo. Fora dele, somos todos escravos.
“A Igreja, fundada pelo Salvador, é a única para todos os povos e todas as nações. Sob sua cúpula, que levanta seus arcos como o firmamento sobre o universo inteiro, encontram lugar e asilo todos os povos e todas as línguas, e podem desenvolver-se todas as propriedades, qualidades, missões e funções que foram assinadas por Deus Criador e Salvador aos indivíduos e à sociedade humana.”
— PIO XI, Mit Brennender Sorge, 1937
A sociedade moderna, aprovando e incentivando erros, iniquidades, depravações, desordens, caos, encaminha-se para a destruição que lhe é devida por buscar sediar o Anticristo, mas, infelizmente, arrasta consigo muitas almas para o inferno. Pois lutemos contra ela o bom combate, sempre buscando as virtudes e a perfeição cristã. O homem é plenamente homem à medida que é cristão e está em habitual e crescente comunhão com a Graça, do contrário, perde sua humanidade enquanto afasta-se de Cristo. E quanto mais está unido a Cristo e sua Graça, mais há de afrontar o mundo, especialmente com seu exemplo diariamente moldado e esculpido pela ação da Graça Santificante.
“Eles se revoltam insidiosamente contra vós, perfidamente se insurgem vossos inimigos. Pois não hei de odiar, Senhor, aos que vos odeiam? Aos que se levantam contra vós, não hei de abominá-los? Eu os odeio com ódio perfeito, eu os tenho em conta de meus próprios inimigos.”
 — Salmo CXXXVIII, 20-22
Como escreveu o salmista, odiemos os inimigos da Igreja e de Deus com ódio perfeito de uma caridade ardente fundada sobre o mais sólido amor à Verdade, para que como o Santo Profeta Elias, ao sermos questionados pelo Senhor com “O que fazes aqui?”, a resposta possa surgir na língua sem hesitação alguma por ter sido impregnada no mais íntimo do âmago da alma de cada católico: “Zelo zelatus sum pro Dominum Deo Exercituum. - Consumo-me de zelo pelo Senhor, Deus dos Exércitos.” (cf. I Reis XIX, 9-10). Conforme escreveu São Tomás, “odiar o mal de alguém e querer o seu bem, é a mesma coisa. O ódio perfeito é, portanto, um aspecto da caridade.” (cf. Summa Theol. II-II, q. 25, a. 6, ad 1). Lutemos e rezemos, pedindo na intenção do salmista que o Senhor se erga para castigar os ímpios como eles merecem (cf. Sl XCIII) depois de tanto bradar aos céus pelo castigo.

E busquemos, como buscaram os mártires e confessores, como demonstraram os santos com suas palavras e vidas, cumprir o dever exigido do cristão: ser fiel à verdade até o último suspiro, combatendo o bom combate para a maior glória de Deus, sempre em busca da Cruz Coroada.

Peçamos a Nosso Senhor que nos livre dos receios da humilhação, do desprezo, da calúnia, da repulsa, do esquecimento, da ridicularização, do escárnio e da difamação, como recitava o Cardeal Merry del Val em sua Ladainha da Humildade, para que, com ardente zelo, não tenhamos medo de enfrentar tudo o que for necessário para maior glória de Deus, pois “é ínsita no Sagrado Coração a qualidade de ser símbolo e imagem expressiva da infinita caridade de Jesus Cristo que nos incita a retribuir-lhe o amor por amor” (cf. LEÃO XIII, Annum Sacrum, 1899).

Que o católico seja “a alma fiel que, venerando o Coração de Jesus, adora juntamente com a Igreja o símbolo e como que a marca da caridade divina, caridade que com o coração do Verbo Encarnado chegou até a amar o gênero humano contaminado de tantos crimes.” (cf. PIO XII, Haurietis Aquas, 1956). Consumamo-nos de zelo pelo Senhor carregando o estandarte da Santa Cruz nas fileiras de seu Exército! Cor Iesu Sacratissimum, miserere nobis! - Sacratíssimo Coração de Jesus, tende piedade de nós!