sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Artigo: O homem e o mundo, parte II

Benedictus Dominus, Deus meus, qui docet manus meas ad proelium, digitus meos ad bellum; misericordia mea et refugium meum, susceptor meus et liberator meus; protector meus, et in eo speravi, qui subdis populum meum sub me.
— Salmo CXLIII, 1-2
Conforme o adágio de Santo Agostinho tornado em lema jurídico por São Tomás, lex iniusta non est lex - a lei injusta não é lei. Os católicos temos não só o direito, mas verdadeiro dever de desobedecer as leis injustas e qualquer outra coisa que afronte à Lei de Deus, sem temer as consequências mundanas. Se Deus por nós na Cruz morreu, porque não podemos segui-Lo no exemplo por Ele? O mundo nos odeia. A Sabedoria Encarnada nos afirmou com clareza cristalina, para não deixar nenhuma dúvida: “Sereis odiados de todos por causa de meu nome” (cf. Mt X, 22).

O mundo rejeita o Cristo e seus ensinamentos. E devemos reagir não somente às leis injustas, mas também aos propagandismos das iniquidades e àqueles que buscam a liberdade para o erro, para o que é falso, iníquo e imoral.
“Amemos, pois, e muito a nossa pátria terrena que nos deu a vida mortal: mas amemos ainda mais a Igreja à qual somos devedores da vida imortal da alma, porque é justo preferir os bens da alma aos do corpo, e os deveres para com Deus têm um caráter mais sagrado que os deveres para com os homens. [n. 8]
Casos há efetivamente em que o Estado exige uma coisa do súdito e a Igreja requer outra do cristão, e a causa dessa colisão é porque os chefes políticos ou não reconhecem o poder sagrado da Igreja ou a pretendem avassalar. Daqui as perseguições e as admiráveis cenas de fortaleza cristão. Dois poderes insistem dando ordens contrárias. Obedecer a ambos ao mesmo tempo é impossível: “Ninguém pode servir a dois senhores” (Mt VI, 24), agradar a um é descontentar o outro, mas qual deva ser preferido é coisa em que não cabe a menor dúvida. [n. 10]
Seria crime negar obediência a Deus para dá-la aos homens; seria delito infringir as leis de Jesus Cristo para obedecer aos magistrados, ou violar os direitos da Igreja sob pretexto de guardar as leis de ordem civil. “Importa obedecer mais a Deus do que aos homens” (At 5,29). Essa resposta que outrora costumavam dar Pedro e os demais apóstolos aos magistrados, quando lhes ordenavam coisas ilícitas, devemos repeti-la todos os dias muito resolutamente em circunstâncias iguais. Não há melhor cidadão, quer na paz, quer na guerra, do que o cristão que o é deveras; mas por isso mesmo que o é, deve antes estar resolvido a sofrer tudo e a própria morte, do que desertar a causa de Deus e da Igreja. [n. 11]
A lei não é outra coisa que um ditame da reta razão promulgado pela autoridade legítima para o bem comum. [...] Reta razão não se pode chamar aquela que discordar da verdade e razão divina; e, quanto a bem verdadeiro, certamente não o é o que estiver em contradição com o bem supremo e imutável e por conseguinte torcer e desviar as vontades humanas do amor de Deus. [n. 12]
Em presença dessas iniquidades, seja o primeiro dever de cada um entrar em si e aplicar-se com todo o desvelo a conservar a fé profundamente arraigada em sua alma, livrando-se de todos os perigos e nomeadamente mantendo-se armado contra falácias e sofismas. A fim de melhor manter a integridade dessa virtude, [...] se aplique bem ao estudo da doutrina cristã e faça que sua alma se embeba, o mais possível, das verdades da fé acessíveis à razão. [n. 19]
Nesse enorme e geral delírio de opiniões que vai grassando, o cuidado de proteger a verdade e de extirpar o erro dos entendimentos é missão da Igreja e missão de todo o tempo e de todo o empenho, como que à sua tutela foram confiadas a honra de Deus e a salvação dos homens. Mas quando a necessidade é tanta, já não são somente os prelados que hão de velar pela integridade da fé, uma vez que: “cada um tem obrigação de propalar a todos a sua fé, seja para instruir e animar os outros fiéis, seja para reprimir a audácia dos que não o são” (São Tomás de Aquino, Summa Theol. II-II, q.3, a.2, ad 2). Recuar diante do inimigo, ou calar-se, quando de toda a parte se ergue tanto alarido contra a verdade, é de homem covarde ou de quem vacila no fundamento de sua crença. Qualquer dessas coisas é vergonhosa em si; é injuriosa a Deus; é incompatível com a salvação tanto dos indivíduos, como da sociedade e só é vantajosa aos inimigos da fé, porque nada tanto afoita a audácia dos maus, como a pusilanimidade dos bons. [n. 21]
Acresce que os cristãos nasceram para o combate, e quanto mais bravo ele for, mais certa será com o auxílio de Deus a vitória: “Tende confiança, eu venci o mundo” (Jo 16,33). [n. 22]
A primeira aplicação desse dever é professar clara e constantemente a doutrina católica, e propagá-la o mais que se puder. [n. 23]
Desse modo, nos deveres que nos ligam com Deus e com a Igreja, está, em primeiro lugar, o zelo que cada qual deve trabalhar segundo as suas forças em propagar a doutrina cristã e refutar os erros. [n. 25]”
— LEÃO XIII, Sapientiae Christianae, 1890
O grande Papa Leão XIII, que tanto iluminou a Igreja com suas brilhantes encíclicas em seu longo pontificado, assertivamente declarou com venerável firmeza tudo acima citado (o destacado é nosso). Ressaltamos uma vez mais estas belas palavras: “os cristãos nasceram para o combate”. Nas palavras de Gustavo Corção, pelo Sinal da Santa Cruz nós aprendemos a pedir a Deus que nos livre de nossos inimigos e nos armamos para o bom combate (cf. Permanência, N° 30, ano IV, 03/1971). E a vocação do católico é o combate! É para isto que nascemos, portanto devemos nos revestir da armadura de Deus para servi-lO dedicadamente como verdadeiros servos do Senhor, e não do mundo, da carne ou do Diabo (cf. Ef VI, 10-17). Nascidos para o combate, busquemos o combate, não o conforto mundano. O repouso e conforto do cristão está em Deus, e somente n'Ele há de descansar verdadeiramente. O resto é vão, há de ser consumido pela traça e corroído pelos vermes.

Tal como São Jerônimo, façamos dos inimigos de Deus nossos inimigos pessoais e lutemos! Lutemos contra as iniquidades da maldita Civilização Liberal, que espalha em assalto as suas desgraças liberais, socialistas, marcusianas, revolucionárias; que busca transformar (ou já o fez) a morte de bebês em direito e os verdadeiros direitos, natural e divino, em crimes.

Neste fruto que já nasceu podre da desgraçada e liberal Revolução Francesa, o homem é reduzido de sua dignidade, de sua condição humana: buscam seduzi-lo para torná-lo mero animal que sucumbe em todo instante às paixões. O homem é desumanizado como fruto da peste laica, e hoje colhemos os resultados do que em 1906 já nos dizia São Pio X:
"Finalmente, essa tese [do Estado Laico] inflige graves danos à própria sociedade civil, pois esta não pode prosperar nem durar muito tempo quando não se dá nela o seu lugar à religião, regra suprema e soberana senhora quando se trata dos direitos do homem e dos seus deveres”; repetia de outra maneira as palavras de Leão XIII, que chamava tal separação de “grande e pernicioso erro” (cf. LEÃO XIII, Immortale Dei, 1885)."
— PIO X, Vehementer Nos, 1906
Lutemos pelo Estado Católico e a restauração da Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo em nossos corações, famílias, cidades e nações. Somente em Deus e em seu Reino teremos verdadeira liberdade e paz, conforme o lema de Pio XI: Pax Christi in Regno Christi - A paz de Cristo no Reino de Cristo. Fora dele, somos todos escravos.
“A Igreja, fundada pelo Salvador, é a única para todos os povos e todas as nações. Sob sua cúpula, que levanta seus arcos como o firmamento sobre o universo inteiro, encontram lugar e asilo todos os povos e todas as línguas, e podem desenvolver-se todas as propriedades, qualidades, missões e funções que foram assinadas por Deus Criador e Salvador aos indivíduos e à sociedade humana.”
— PIO XI, Mit Brennender Sorge, 1937
A sociedade moderna, aprovando e incentivando erros, iniquidades, depravações, desordens, caos, encaminha-se para a destruição que lhe é devida por buscar sediar o Anticristo, mas, infelizmente, arrasta consigo muitas almas para o inferno. Pois lutemos contra ela o bom combate, sempre buscando as virtudes e a perfeição cristã. O homem é plenamente homem à medida que é cristão e está em habitual e crescente comunhão com a Graça, do contrário, perde sua humanidade enquanto afasta-se de Cristo. E quanto mais está unido a Cristo e sua Graça, mais há de afrontar o mundo, especialmente com seu exemplo diariamente moldado e esculpido pela ação da Graça Santificante.
“Eles se revoltam insidiosamente contra vós, perfidamente se insurgem vossos inimigos. Pois não hei de odiar, Senhor, aos que vos odeiam? Aos que se levantam contra vós, não hei de abominá-los? Eu os odeio com ódio perfeito, eu os tenho em conta de meus próprios inimigos.”
 — Salmo CXXXVIII, 20-22
Como escreveu o salmista, odiemos os inimigos da Igreja e de Deus com ódio perfeito de uma caridade ardente fundada sobre o mais sólido amor à Verdade, para que como o Santo Profeta Elias, ao sermos questionados pelo Senhor com “O que fazes aqui?”, a resposta possa surgir na língua sem hesitação alguma por ter sido impregnada no mais íntimo do âmago da alma de cada católico: “Zelo zelatus sum pro Dominum Deo Exercituum. - Consumo-me de zelo pelo Senhor, Deus dos Exércitos.” (cf. I Reis XIX, 9-10). Conforme escreveu São Tomás, “odiar o mal de alguém e querer o seu bem, é a mesma coisa. O ódio perfeito é, portanto, um aspecto da caridade.” (cf. Summa Theol. II-II, q. 25, a. 6, ad 1). Lutemos e rezemos, pedindo na intenção do salmista que o Senhor se erga para castigar os ímpios como eles merecem (cf. Sl XCIII) depois de tanto bradar aos céus pelo castigo.

E busquemos, como buscaram os mártires e confessores, como demonstraram os santos com suas palavras e vidas, cumprir o dever exigido do cristão: ser fiel à verdade até o último suspiro, combatendo o bom combate para a maior glória de Deus, sempre em busca da Cruz Coroada.

Peçamos a Nosso Senhor que nos livre dos receios da humilhação, do desprezo, da calúnia, da repulsa, do esquecimento, da ridicularização, do escárnio e da difamação, como recitava o Cardeal Merry del Val em sua Ladainha da Humildade, para que, com ardente zelo, não tenhamos medo de enfrentar tudo o que for necessário para maior glória de Deus, pois “é ínsita no Sagrado Coração a qualidade de ser símbolo e imagem expressiva da infinita caridade de Jesus Cristo que nos incita a retribuir-lhe o amor por amor” (cf. LEÃO XIII, Annum Sacrum, 1899).

Que o católico seja “a alma fiel que, venerando o Coração de Jesus, adora juntamente com a Igreja o símbolo e como que a marca da caridade divina, caridade que com o coração do Verbo Encarnado chegou até a amar o gênero humano contaminado de tantos crimes.” (cf. PIO XII, Haurietis Aquas, 1956). Consumamo-nos de zelo pelo Senhor carregando o estandarte da Santa Cruz nas fileiras de seu Exército! Cor Iesu Sacratissimum, miserere nobis! - Sacratíssimo Coração de Jesus, tende piedade de nós!

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