sexta-feira, 15 de março de 2019

Crônica: O sofrimento e a Cruz


Não é natural ao homem que abrace o sofrimento e as dores, sua tendência é a fuga para o conforto, para o bem-estar e para o prazer – mesmo o prazer desregrado ou que atente contra sua própria natureza. Também não é natural que o homem se alegre com o sofrimento, pelo contrário, tende a amuar-se ou enraivecer-se com aquilo que vê como imposto por algo ou alguém. A Santa Paixão de Nosso Senhor, porém, dá novos sentidos e significados para as dores, as derrotas e o sofrimento.

Por más línguas durante a história, as cruzes tornaram-se todas as coisas desagradáveis que acontecem na vida, mas isto não pode continuar. Celebramos no dia 14 de Setembro a Festa de Exaltação da Santa Cruz, cujo o introito nos apresenta: Nos autem gloriari oportet in Cruce Domini nostri Jesu Christi: in quo est salus, vita, et resurrectio nostra; per Quem salvati, et liberati sumus - Nós porém devemo-nos gloriar na Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, de Quem nos vem a salvação, a vida e a ressurreição; por Quem fomos salvos e livres -, portanto, exaltemos a Cruz e sejamos submissos, pois o jugo d'Aquele que abraçou-lhe é suave e seu fardo é leve, porque Ele é manso e humilde de coração.

A alegria cristã tem um caráter que é sobrenatural. Seu fundamento, rocha e pedra angular não é o homem, mas Deus. “Se alguém quer vir após mim, renegue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me. Porque, quem quiser salvar a sua vida, irá perdê-la; mas quem sacrificar a sua vida por amor de mim, irá salvá-la.” (Lc IX, 23-24), estas são as palavras de Nosso Senhor. Palavras que parecem duras àquele que teme a Cruz, mas que em verdade são palavras de amor e de alegria. Alegria sobrenatural.

Quando o Senhor diz “renegue-se a si mesmo”, fala-nos da mortificação. Aquele que não quiser renegar-se e renunciar a si mesmo jamais poderá ser santo, pois a mortificação é um elemento essencial da vida cristã. A modernidade tende a vê-la com maus olhos em sua busca insaciável pelo prazer carnal e material justamente porque a mortificação se opõe diametralmente à vida desregrada, que não quer renúncias, mas posses. Mortificar é renunciar, por amor a Deus; é regenerar-se em Cristo. Indo além, é seguir também o próprio Deus encarnado nos exemplos que nos deu durante sua vida.

A mortificação, em suas diversas formas, é uma necessidade para o homem cristão, não somente para reparar as ofensas a Deus, mas para purificar-se, alcançar as virtudes, santificar-se, tendo como fim dar glória a Deus. É isto que exorta São Paulo ao dizer “afeiçoar-vos às coisas lá de cima, e não às da terra” (cf. Cl III). Mortificar-se é estar unido à Paixão de Nosso Senhor; é pôr em ordem e harmonia os afetos e paixões para acabar com o egoísmo e apegos mundanos, e assim retificar o amor para amar o Amor, para tudo fazer em nome d'Ele. É vencer-se a si mesmo com ânimo nas pequenas coisas para também saber fazê-lo nas grandes, sempre entregue à vontade divina. É, de certa maneira, tomar cruzes para viver pela Cruz, despindo-se do homem velho e revestindo-se do homem novo.

Aceitemos com alegria as dificuldades, tendo consciência de que tal como a Mãe de Deus acompanhou Jesus durante toda a sua vida, também está a acompanhar-nos nas nossas. Como os sertanejos em suas durezas, apelemos com simplicidade e filial confiança: valei-me Nossa Senhora! Rogando a Mãe Santíssima, sejamos alegres na Cruz, para abraçar-lhe como Nosso Senhor a abraçou, agarrando-se nela esperançosos e com a máxima força possível, para dela nunca soltar-se. 

A alegria da ressurreição só é possível depois da dolorosa Paixão: é fruto da dor da Cruz. São Josemaría Escrivá escreveu: “A Cruz não é a pena, nem o desgosto, nem a amargura... É o madeiro santo onde triunfa Jesus Cristo..., e onde triunfamos nós, quando recebemos com alegria e generosamente o que Ele nos envia.” (Forja, 788). Aquele que busca estar na Glória com Deus deve amar a Cruz, pois ela não só é compatível à alegria da Ressurreição, mas a precede pela Paixão.

Santo Madeiro que abraçou-se ao Cristo e por Ele foi abraçado: de símbolo de castigo foi convertido em sinal de vitória; de bandeira da morte tornou-se a via da salvação. Nulla dies sine Cruce, in laetitia! - Nenhum dia sem Cruz, com alegria!

Abraçados à Santa Cruz, gloriemo-nos n'Ela. Stat Crux dum volvitur orbis - A Cruz permanece intacta enquanto o mundo gira. Salve, Cruz vitoriosa e bendita!

2 comentários:

  1. Como tem sido difícil carregar a nossa cruz e negar nossos desejos nos tempos atuais! Texto incrível, Joao!!!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Espero que o texto tenha-lhe sido proveitoso. Muito obrigado pelo elogio e pelo comentário.

      Excluir